Mário*
é volante, tem 14 anos e frequenta o futebol de base desde os 12.
Apesar da pouca idade ele tem muita história para contar. Foi assediado
três vezes.
Na
primeira ele tinha apenas 12 anos quando foi convidado pelo treinador a
dormir na sede do clube. “Ele (o treinador) dava um ‘migué’ dizendo pra
gente (os atletas) ir dormir na sede do clube para nós tomar (sic) café
todo mundo junto. Eu respondi: eu acordo cinco da manhã, mas não vou
dormir aí”, recorda.
A
negativa não ficava sem resposta. “Aí apareciam uns moleques que nem
treinavam, mas que dormiram na sede, aí no outro dia já era titular.
Fica ruim para os moleques que se esforçam”, lamenta.
A
“promoção” dos jogadores ao time principal acaba virando motivo de
bullying entre os atletas. “Aí começam os comentários: ei, tu é titular,
tu é capitão... vai bem na casa do treinador, né? Tu joga porque pega
gay. É o ‘bofinho’ do treinador. É o comentário”, revela.
Chuteira
A
jovem promessa do futebol local tentou fazer parte de outro clube.
Viveu a mesma situação. Na última vez em que foi assediado – por uma
conhecida figura do meio futebolístico local – Mário revela que tentava
conseguir uma chuteira nova. A pessoa em questão aceitou ajudar o jovem
jogador, em troca de sexo, é claro.
Mário
mostrou à reportagem do CRAQUE o diálogo que é reproduzido nesta
página. O volante afirma que chegou a pensar em largar o futebol. “É
sempre a mesma situação. Só em alguns clubes ainda é diferente, os caras
são bacanas, mas no geral dá desgosto. Mas é a profissão que eu
escolhi. Já pensei em parar, mas não vou parar por causa disso
(assédio)”, afirma.
Órfão
de pai, ele só tem a mãe, que trabalha como empregada doméstica. Em
casa, porém, o assunto é tabu. Ele não comenta nada com a mãe sobre as
situações que já sofreu por medo de ser proibido de jogar.
“Se eu falar para a minha mãe, ela me manda parar de jogar. Se eu falar aí complica”, afirma.
Futebol de bairro não passa batido
A
exploração sexual nas categorias de base não se resume apenas aos
clubes que disputam os torneios na divisão profissionais. Pelo menos é o
que conta o zagueiro Eduardo*, de 15 anos.
O
jogador nunca participou de clubes que disputam as Séries A e B do
Campeonato Amazonense, mesmo assim revela que sofreu assédio em equipes
amadoras. Segundo ele, a prática é comum em torneios de bairros que
acontecem na periferia de Manaus.
“O
cara fica triste porque está a fim de jogar, chega lá no treino e ouve
do cara (treinador) um ‘vamos lá em casa’. Quando não é no treino (que
acontece o convite) é por meio de redes sociais. O cara vê que eu sou
jogador e já me adiciona. Se eu não vou (sair com ele), o cara já fica
puto”, revela.
Eduardo* foi assediado pela primeira vez aos 11 anos quando jogava em um time amador do bairro São José, na Zona Leste.
Ele
jamais comentou o assunto com os pais, que são divorciados. “Meu pai é
segurança e minha mãe é dona de casa. Não falo (sobre o assunto). O meu
pai me apóia, mas se ele souber de uma notícia dessas (assédio) fica
ruim e ele não vai me apoiar mais”, lamenta.
‘Estão sendo viciados em drogas e dinheiro’
O
zagueiro Gustavo* tem 13 anos e acabou de passar pela primeira situação
de assédio nas categorias de base. O convite era para jogar o
Campeonato Amazonense, mas quando ele começou a treinar no clube, teve
que enfrentar a marcação cerrada do auxiliar técnico da equipe.
“Ele
começou a pedir fotos minhas. Pediu para eu mandar fotos das minhas
partes íntimas. Ficou me mandando fotos pornográficas e numa das vezes
que ele ligou foi o meu pai que atendeu. O meu pai disse que se ele
continuasse mandando essas fotos ele ia ter que acertar as contas com
ele. Foi quando parou”, conta.
O
jogador não sabe quando terá uma nova oportunidade. Mas ele tem uma
certeza. “Se eu tiver que jogar lá (no clube onde foi assediado) vai ser
pelo meu futebol”, finaliza.
O
problema é maior Nem sempre os atletas de base resistem ao assédio dos
treinadores. A reportagem do CRAQUE ouviu um profissional que trabalha
há dez anos no mercado local e que pediu para não ter o nome divulgado
por temer represália dos aliciadores. Ele revela que a situação chegou a
um ponto em que muitos atletas chegam até a se oferecer aos
treinadores, por imaginar que só podem conseguir uma chance se for em
troca de sexo. fundo do poço “Hoje a gente está no fundo do poço porque
os aliciadores dominam a capital inteira. Então os atletas que poderiam
estar dando fruto estão sendo viciados em festas, em drogas, em dinheiro
e sexo. É isso que temos que dar um fim. Já teve caso de jogador me
mandar mensagem se oferecendo para fazer sexo em troca de uma vaga num
time. Isso é um absurdo! A única coisa que eu falo é que ele não precisa
disso. Joga seu futebol e conversa com Deus. É o que eu falo”, revela.
Confira abaixo "prints" das conversas:
Link da reportagem: Reportagem revela as ‘táticas’ usadas pelos aliciadores
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